A estreia de Tremembé no Prime Video coloca outra vez sob os holofotes o nome de Roger Abdelmassih, celebrado durante décadas como referência em reprodução assistida e, desde 2010, réu condenado a 278 anos de prisão por dezenas de estupros.
Baseada em casos reais e nos livros do jornalista Ulisses Campbell, a produção expõe o contraste entre o prestígio que cercava o médico das estrelas e a violência cometida contra pacientes sedadas em seu luxuoso consultório na capital paulista.
Quem foi Roger Abdelmassih antes da queda
Nos anos 1990 e 2000, Abdelmassih dominava os noticiários de saúde. Convidado recorrente de programas de TV, ele ostentava índices de sucesso acima da média em fertilização in vitro, atendia celebridades e estampava capas de revistas. O slogan implícito era simples: se alguém poderia realizar o sonho da maternidade, esse alguém era ele.
Esse prestígio, porém, foi erguido sobre bases frágeis. Enquanto o médico ampliava a clientela, ex-funcionários afirmavam nos bastidores suspeitar de avanços impróprios. Ainda assim, a imagem pública seguiu intacta até 2009, quando a primeira avalanche de denúncias veio à tona e mudou o curso da história.
Do estrelato à fuga internacional
Em 2009, uma série de mulheres relatou ter acordado durante procedimentos — ainda sob efeito de sedação — com Abdelmassih abusando sexualmente delas. O caso mais lembrado é o de Vana Lopes, que narrou ter recobrado a consciência com o médico sobre seu corpo, sem conseguir se mover.
O Ministério Público reuniu dezenas de depoimentos, e a Justiça paulista sentenciou o ex-médico a 278 anos de prisão em 2010. Em liberdade enquanto recorria, ele escapou para o Paraguai. A fuga durou até 2014, quando foi capturado e deportado. Desde então, cumpre pena em São Paulo, em unidade hospitalar dentro do sistema penitenciário, devido ao estado de saúde.
O retrato de Abdelmassih em Tremembé
Tremembé não abraça o sensacionalismo. A série avança além do ato criminoso e investiga as dinâmicas de poder na prisão conhecida como “carcere dos famosos”. O roteiro faz a pergunta que conduz cada episódio: o que acontece depois do crime?
Com o ator Anselmo Vasconcelos no papel principal, o drama revive a persona pública do “milagreiro” e desmonta, cena após cena, o escudo de celebridade que durante anos impediu que as vítimas fossem ouvidas. Para quem acompanha as novidades por 365 Filmes, fica claro que a produção busca manter o foco na responsabilização e na memória coletiva.
Bastidores e preparação do elenco
Anselmo Vasconcelos passou por um processo intenso de caracterização. Envelhecimento facial, semblante endurecido e preparação corporal foram necessários para retratar a fase prisional de Abdelmassih. As cenas de violência sexual, segundo o ator, foram construídas sem glamourizar o agressor, obedecendo à lógica do drama carcerário que denuncia, não celebra.
A escolha estética reforça a ideia central: mostrar sem filtros o impacto que o poder, a fama e a falta de fiscalização em clínicas privadas podem ter quando misturados. Ao mesmo tempo, o diretor evita transformar o criminoso em anti-herói, reservando mais tempo de tela para as sobreviventes e para o cotidiano duro da Penitenciária de Tremembé.
Imagem: O Globo.
Vítimas no centro da narrativa
Relatos como o de Vana Lopes aparecem como fio condutor da trama. A série faz questão de evidenciar a força das mulheres que romperam o silêncio, pressionaram as autoridades e colaboraram na captura do ex-médico após a fuga internacional. A produção também destaca o papel da imprensa, que manteve o caso em evidência até que a Justiça confirmasse a sentença em segunda instância.
Esse foco nas sobreviventes retira a aura de mistério em torno do agressor e coloca luz sobre as consequências duradouras do trauma. Além disso, a narrativa relembra etapas do processo judicial, pontuando como peritos rebateram a tese de que as vítimas teriam sofrido alucinações induzidas por anestésicos.
Drama carcerário com lente social
Tremembé se diferencia de outras obras ao posicionar Abdelmassih dentro de um mosaico de detentos célebres. A convivência forçada entre personalidades midiáticas revela disputas de poder, privilégios e tensões típicas de unidades consideradas de segurança média, mas de grande repercussão.
Embora parta do caso individual de um ex-médico, o roteiro questiona falhas institucionais que permitiram a continuidade dos abusos: registros frouxos, ausência de câmeras nas salas de coleta de óvulos e falta de protocolos claros de consentimento. Cada uma dessas brechas, aponta o seriado, contribuiu para que o ciclo de violência se repetisse por anos.
Relevância da série no debate público
Ao revisitar a história de Roger Abdelmassih, Tremembé atualiza discussões sobre segurança em ambientes médico-hospitalares, transparência de processos e responsabilização rápida em casos de violência sexual. A pergunta que ecoa — como evitar que o prestígio profissional vire blindagem para crimes — acompanha o espectador durante todos os episódios.
Para quem consome dramas baseados em fatos, a produção do Prime Video funciona como alerta e memória. Sem recorrer a cenas explícitas, a série expõe a engrenagem que sustentou o abusador enquanto, silenciosamente, dezenas de pacientes carregavam marcas físicas e emocionais. Com isso, Tremembé reforça a importância de protocolos claros de consentimento informado, supervisão rigorosa de clínicas privadas e apoio contínuo às vítimas.
Conclusão inevitável do caso
Roger Abdelmassih permanece preso em São Paulo, longe dos holofotes que um dia o celebraram. Já as vítimas seguem como prova de que a denúncia coletiva e a mobilização social podem derrubar até os nomes mais influentes. Tremembé registra, em linguagem direta, esse ponto de inflexão na história recente brasileira — um lembrete de que fama não pode ser sinônimo de impunidade.