A série Os Donos do Jogo chegou à Netflix e já acendeu a curiosidade do público sobre a história real de Os Donos do Jogo. Quem acompanha a trama percebe rapidamente o choque entre a ficção e fatos que marcaram o submundo carioca ao longo das últimas décadas.
Nesse panorama de famílias poderosas, alianças políticas e muito samba, fica a pergunta: até onde vai a realidade e onde começa a licença criativa? O 365 Filmes investigou os bastidores e revela, ponto a ponto, o que a produção retirou diretamente da vida real e o que ficou restrito ao roteiro.
História real de Os Donos do Jogo: inspiração sem nomes verdadeiros
Os criadores Heitor Dhalia, Bernardo Barcellos e Bruno Passeri decidiram usar o universo do jogo do bicho como base, mas elaboraram personagens totalmente inéditos. Nenhum deles — Profeta, Búfalo, Suzana ou Mirna — representa pessoas específicas.
A estratégia foi construir situações verossímeis, apoiadas em registros jornalísticos, investigações policiais e estudos acadêmicos. O resultado é uma narrativa que soa documental, embora todos os protagonistas sejam fictícios.
Clãs familiares e disputas de herança dominam o jogo do bicho
Um dos pilares da história real de Os Donos do Jogo está na forma como o poder se transmite. Tradicionalmente, o comando passa de pai para filho, genro ou sobrinho. Esse modelo, conhecido como “familismo”, foi observado em vários estudos sobre contravenção.
O caso mais citado envolve Castor de Andrade, morto em 1997. Após sua morte, parentes próximos travaram uma guerra interna para assumir territórios e pontos de jogo. A série replica essa dinâmica ao mostrar Profeta disputando espaço com a cunhada Mirna e enfrentando casais rivais como Búfalo e Suzana.
3 verdades sobre as famílias de bicheiros
- O comando costuma ficar restrito à mesma árvore genealógica.
- Disputas entre herdeiros podem desencadear conflitos violentos.
- Alianças matrimoniais são usadas para fortalecer negócios.
Conselho de bicheiros existiu de fato no Rio de Janeiro
Na obra, um conselho de contraventores define zonas de atuação, ajusta parcelas de lucro e mantém redes de proteção política. Historicamente, algo parecido funcionou nas décadas de 1970 e 1980, quando nomes como Castor de Andrade, Anísio Abraão David e Capitão Guimarães criaram a chamada Liga Independente dos Bicheiros.
Esse colegiado informal influenciava eleições, patrocinava escolas de samba e, segundo inquéritos da época, distribuía propinas a autoridades para garantir tranquilidade aos negócios. A série, portanto, apenas troca o título de “Liga” por “Conselho”, mas não inventa o conceito.
Imagem: Netflix
Carnaval e política: patrocínio como ferramenta de poder
O enredo mostra escolas de samba financiadas por bicheiros. Nas passarelas, os contraventores ganham status de mecenas; nos bastidores, conquistam apoio político e simpatia popular. Essa ponte entre jogo, samba e política foi documentada por pesquisadores como o cientista político Danilo Freire.
De acordo com esses estudos, o investimento no Carnaval gera empregos, cria laços comunitários e ameniza a imagem de ilegalidade. Na série, o brilho dos desfiles contrasta com tramas de corrupção, reproduzindo com fidelidade a forma como a contravenção se legitima.
Legalização dos jogos de azar e avanço das apostas online
Outro ponto relevante da história real de Os Donos do Jogo é o temor dos bicheiros de perder importância caso o Congresso aprove leis que regulam cassinos e apostas. O Projeto de Lei 2.234/2022 propõe resorts integrados a casas de jogo, além de novas regras para apostas esportivas.
Enquanto a legalização segue em debate, investigações apontam que chefes do jogo do bicho já migraram para plataformas digitais. A série retrata essa transição: Profeta decide investir em sites de apostas para manter a rentabilidade, simbolizando a passagem da contravenção de rua para o crime de colarinho branco digital.
2 mentiras sobre a regulamentação retratada
- O Brasil não aprovou cassinos até o momento; o tema ainda está em tramitação.
- Não há data definida para mudança na lei, ao contrário do senso de urgência mostrado na trama.
Personagens são fictícios, mas contexto permanece atual
A produção não cita autoridades, policiais ou políticos reais. Mesmo assim, a ambientação reflete redes que ainda operam no Rio: bancas de bicho, máquinas de caça-níquel clandestinas e serviços de proteção pagos a milicianos.
Sem recorrer a nomes verdadeiros, Os Donos do Jogo apresenta um retrato que incomoda porque expõe as zonas cinzentas entre crime e poder no Brasil. E, ainda que a série se encerre na ficção, a realidade continua tão complexa quanto sugere a tela.
