Filmes de época sobre escravidão quase sempre colocam um personagem branco na posição de “salvador”, mas “Harriet”, longa de 2017 que chegou ao catálogo da Netflix, prefere seguir outro caminho. Centrado nos anos decisivos da abolicionista Harriet Tubman, o longa evita molduras heroicas simplistas e busca colocar o espectador dentro da urgência de cada fuga organizada pela protagonista.
Nessa proposta, o filme histórico entende que a biografia da líder não cabe em enumeração de datas. Em vez disso, a diretora Kasi Lemmons recorta um período específico, focando na jornada da personagem que deixou o sul escravocrata rumo à Pensilvânia e, depois, retornou diversas vezes para libertar outras pessoas. O resultado é um drama de ação tenso, que dispensa salvadores brancos e faz da própria Harriet a força motriz de cada reviravolta.
Recorte narrativo devolve humanidade à lenda
O filme Harriet começa quando Araminta “Minty” Ross, futura Harriet Tubman, descobre que será vendida. A decisão de fugir nasce menos de um grande plano abolicionista e mais do instinto de sobrevivência. Ao mostrar esse ponto de partida, o roteiro derruba a distância entre mito e pessoa real, lembrando que a heroína teve, primeiro, de garantir a própria vida.
Concentrar-se apenas nesse período pode soar limitado a quem espera panorama completo da luta antiescravagista nos Estados Unidos. Contudo, a aposta fortalece o suspense: cada passo de Harriet parece um risco absoluto, pois a captura significaria punição definitiva. Essa perspectiva humanizada sustenta a tensão dramática sem recorrer a explicações acadêmicas extensas.
Cynthia Erivo conduz a trama com fé e coragem
Responsável pelo papel-título, Cynthia Erivo entrega atuação que combina olhar tenso, voz firme e dimensão espiritual. A crença religiosa da personagem não vira simples ornamento; torna-se motor interno, costurando ações que vão da resistência silenciosa à ousadia de regressar ao sul armado de coragem — e, por vezes, de armas de fogo.
A quietude adotada pela direção evita transformar sofrimento em espetáculo. Em vez de cenas explícitas de tortura, o filme Harriet põe o público diante da ameaça constante de caçadores de escravos. O terror surge no controle que senhores brancos exercem mesmo à distância, lembrando que chicote é apenas um dos instrumentos do sistema opressor.
Violência sugerida gera debate
Críticos questionam a escolha de atenuar imagens físicas da brutalidade, argumentando que o período exigiria representação direta da dor. A produção, entretanto, aposta que a sensação de perigo latente basta para denunciar o horror daquela sociedade. Não há concessão ao espetáculo na linha de “12 Anos de Escravidão”; em vez disso, a diretora insere o medo nas sombras e nos sussurros de quem vigia.
Fotografia transforma paisagem em armadilha
Assinada por John Toll, a fotografia combina horizontes abertos e enquadramentos sufocantes. Florestas e campos parecem belos à primeira vista, mas cada tronco ou clareira vira possível ponto de emboscada. Dessa forma, a paisagem reforça o tema principal: liberdade não se mede pela ausência de cercas, e sim pela segurança de existir sem correntes invisíveis.
Quando Harriet caminha sozinha pela mata, o espaço imenso se comprime numa espécie de corredor psicológico. A câmera baixa acompanha seus pés apressados, transmitindo urgência sem recorrer a cortes frenéticos. Esse desenho visual mantém o espectador alinhado ao temor da protagonista, aumentando o impacto emocional de cada avanço rumo ao norte.
Imagem: Imagem: Divulgação
Limitações do roteiro ainda provocam controvérsia
Embora capture o espírito de luta, o filme Harriet suaviza aspectos radicais da personagem. A militante, que chegou a liderar operações militares durante a Guerra Civil, aparece mais como guia pacifista do que como estrategista capaz de pegar em armas. Participações breves de figuras históricas, como Frederick Douglass, também são tratadas quase como citações obrigatórias, sem aprofundamento.
Essa escolha narrativa reduz a dimensão coletiva do movimento abolicionista, colocando peso extra na jornada individual. Mesmo assim, a produção não nega coragem à protagonista e evidencia que cada resgate envolvia riscos tanto para escravizados quanto para opressores. Ao enfatizar a ação imediata, o filme aponta que política, ali, tinha cheiro de pólvora e passos furtivos na madrugada.
Drama histórico sem salvador branco conquista espaço
Num panorama audiovisual onde a figura do aliado branco costuma resolver conflitos raciais, “Harriet” se destaca por entregar narrativa conduzida inteiramente por pessoas negras. A heroína toma as decisões, traça rotas de fuga e, sobretudo, enfrenta consequências. Essa inversão de expectativa confere frescor à produção e ajuda a explicar sua recepção positiva, avaliada em 8/10 por críticos.
Para quem acompanha lançamentos via streaming, a chegada do filme Harriet à Netflix representa chance de conhecer a história de Tubman sob lente diferente. O longa dialoga com fãs de dramas históricos, mas também com público de novelas e doramas que apreciam personagens fortes, dilemas morais e emoções intensas — público que costuma visitar o site 365 Filmes em busca dessas recomendações.
Disponibilidade e dados essenciais
Título original: Harriet
Direção: Kasi Lemmons
Ano de lançamento: 2017
Gênero: Ação, Biografia, Documentário, Drama
Plataforma: Netflix
Avaliação média: 8/10
Com mais de duas horas de duração, o filme Harriet oferece experiência concentrada em tensão, fé e resistência. A ausência de um salvador branco não é mero detalhe; é elemento crucial que devolve protagonismo à líder que transformou fuga em revolução. Para quem busca narrativas históricas sem filtros condescendentes, o longa de Kasi Lemmons surge como opção indispensável no catálogo.
