Mickey 17 chegou cercado de expectativa: direção de Bong Joon-ho, astro de peso no elenco e uma ideia central capaz de sacudir o gênero. O longa, previsto para 2025, acompanha um tripulante que pode morrer infinitas vezes, já que cada corpo é substituído por um clone carregando as mesmas memórias.

Apesar do conceito provocativo, a produção que por sinal é uma ótima dica de filme no streaming não alcança a ousadia vista em obras anteriores do cineasta sul-coreano. O filme mantém o entretenimento, mas dilui discussões que poderiam render reflexão profunda sobre trabalho, identidade e valor da vida.

Premissa coloca a vida humana na berlinda

Em Mickey 17, Robert Pattinson interpreta Mickey, funcionário de uma missão de colonização espacial cujo emprego é literalmente se sacrificar. Sempre que surge uma tarefa arriscada, ele é convocado sem hesitar. Caso morra, um novo corpo é “impresso” e suas memórias voltam intactas.

O simples ato de aceitar um contrato sem ler até o fim, algo comum no mundo real de termos e aplicativos, já ilustra a crítica à perda de privacidade. O filme ainda flerta com temas como desumanização da mão de obra e transformação de líderes políticos em figuras quase divinas.

Robert Pattinson sustenta o drama existencial

Pattinson domina a tela ao mostrar a apatia crescente de Mickey diante de tantas mortes. A cada renascimento, o personagem fica mais distante do medo e, por consequência, de sua própria humanidade. A virada ocorre quando uma falha técnica gera um clone extra, obrigando Mickey a encarar seu maior temor: ser totalmente substituível.

Nesse ponto, a atuação trabalha nuances sutis. Mudanças de postura, leve alteração no olhar e tom de voz diferenciam as cópias, recurso que injeta tensão ao roteiro e evita que a narrativa se torne repetitiva.

Crítica social perde força no desenvolvimento

Bong Joon-ho construiu carreira explorando desigualdade e opressão, mas aqui a abordagem soa moderada demais. Metáforas sobre colonialismo, religião e ditaduras aparecem, porém sem a contundência de Parasita ou Expresso do Amanhã.

Há indícios de que o estúdio buscou tornar Mickey 17 mais acessível. O roteiro explica ideias que poderiam ser sugeridas, subestimando a capacidade do público de conectar pontos. Para quem acompanha Resumo de Novelas e gosta de tramas carregadas de simbolismos, pode ficar a sensação de superficialidade.

Exagero compromete personagens de apoio

Mark Ruffalo vive o comandante Kenneth Marshall, enquanto Toni Collette encarna Ylfa, esposa obcecada por molhos e status. Ambos representam o alto escalão que manipula a tripulação, mas as caricaturas deixam a crítica rasa. As falas sobre raças superiores ou obsessões triviais funcionam como sinalizadores óbvios, sem espaço para sutileza.

Relacionamento e triângulo amoroso desviam o foco

A conexão entre Mickey e Nasha, interpretada por Naomi Ackie, começa promissora ao dar dimensão emocional ao protagonista. Contudo, ela se transforma em um triângulo amoroso que pouco acrescenta à discussão central. O envolvimento romântico acaba ocupando tempo de tela que poderia aprofundar o choque filosófico de ter duas versões do mesmo indivíduo coexistindo.

Narração em off divide público

Para adaptar o livro de Edward Ashton, o diretor recorre à narração em primeira pessoa. A estratégia ajuda a visualizar pensamentos do herói, mas torna-se excessiva em determinados trechos, atuando como atalho para avançar a história. O recurso contrasta com a máxima cinematográfica de mostrar em vez de explicar.

Ainda assim, a voz de Pattinson adiciona camadas de humor irregular que, em alguns momentos, compensam a falta de ousadia visual. Transições rápidas e trilha sonora discreta mantêm ritmo, mesmo quando o texto aponta para temas maiores que nunca se concretizam totalmente.

Saldo final: entretenimento sem pulso revolucionário

Com orçamento robusto, cenários elaborados e efeitos convincentes, Mickey 17 garante diversão ao fã de ficção científica. A ideia de clonar e descartar corpos, bem como questões éticas de trabalho precarizado, continuam pertinentes. No entanto, elas surgem apenas como pinceladas.

O resultado é um sci-fi contido, ancorado pela performance de Robert Pattinson e pela direção sempre competente de Bong Joon-ho, mas que fica aquém de seu potencial provocador. Para quem esperava o próximo grande debate social do cinema futurista, vai encontrar um filme agradável, porém menos atrevido do que poderia.

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