Um cientista alienígena, coreografias de rock e plateias fantasiadas não parecem ingredientes clássicos de uma história de Frankenstein, certo? Ainda assim, é exatamente essa mistura que transformou The Rocky Horror Picture Show em um fenômeno que perdura há cinco décadas nos cinemas.
Lançado em 1975, o filme musical desafia rótulos, quebrou as barreiras do fracasso comercial inicial e hoje é reconhecido como a adaptação mais excêntrica – e duradoura – da obra de Mary Shelley. Para quem acompanha as curiosidades do mundo pop aqui no 365 Filmes, vale (re)descobrir como essa produção se tornou o título em cartaz há mais tempo na história.
Uma releitura debochada do mito de Frankenstein
Embora a narrativa seja ofuscada pelas músicas pegajosas e pelo visual chamativo, toda a trama de The Rocky Horror Picture Show é uma releitura direta do clássico de 1818. O doutor Frank-N-Furter, vivido por Tim Curry, assume o papel de “cientista louco” e dá vida ao loiro musculoso Rocky, seu Criado perfeito. A cena em que a criatura enfurecida leva o criador ao topo de uma torre remete, sem disfarces, à sequência final da adaptação da Universal de 1931.
Não por acaso, estudiosos de cinema listam mais de 50 filmes focados no Monstro de Frankenstein, atrás apenas de Drácula em popularidade. Mesmo assim, poucos lembram de Rocky Horror ao discutir o legado do temido gigante. Talvez porque aqui o terror foi trocado por humor, erotismo e referências camp, ingredientes que atraem um público diferente do fã tradicional de monstros.
Fracasso nas bilheterias, sucesso nas madrugadas
Na estreia, em 1975, a recepção foi fria. O longa falhou em cativar plateias convencionais, conseguindo resultados positivos em apenas uma sala. Exibições adicionais em campi universitários também não empolgaram. Parecia o fim do experimento cinematográfico.
Entretanto, em 1976, executivos da Fox identificaram um potencial oculto nas sessões de meia-noite, estratégia similar à de cults como Pink Flamingos. A mudança de horário transformou a derrota em triunfo: multidões adotaram figurinos, criaram coreografias e passaram a interagir com a tela – prática que até hoje define a experiência Rocky Horror.
Da rejeição ao culto global
Durante os primeiros meses de sessões noturnas, o boca a boca fez o público crescer rapidamente. A partir daí, o filme nunca mais saiu de cartaz. A cada nova rodada de exibições, surgiam rituais: arroz arremessado no casamento inicial, jornal sobre a cabeça na cena de chuva e o tradicional brinde com torradas. Esse envolvimento coletivo foi determinante para transformar o fracasso inicial em lenda viva.
O lançamento de cinema mais longevo de todos os tempos
Desde que migrou para as madrugadas, Rocky Horror mantém projeções ininterruptas. São quase 50 anos de cartaz contínuo, feito inédito na história do cinema. Para além da longevidade, as sessões tornaram-se eventos performáticos: fãs se fantasiam de Magenta, Riff Raff ou do próprio Frank-N-Furter, atores amadores encenam os números musicais aos pés da tela e objetos cênicos são distribuídos ao público.
Imagem: Imagem: Divulgação
Produções posteriores tentaram imitar a fórmula – caso de Repo! The Genetic Opera –, mas nenhuma alcançou o mesmo patamar de devoção. Segundo Tim Curry, “o filme dá permissão para que qualquer pessoa seja tão ousada quanto quiser”. Essa liberdade é um dos segredos que mantêm o interesse vivo geração após geração.
Por que a obra ainda impacta?
Além do roteiro inspirado em Frankenstein, o longa aborda temas como sexualidade fluida e identidade, assuntos que ganharam força nas últimas décadas. Esse diálogo constante com novas pautas socioculturais faz o material permanecer atual, reforçando a importância da representatividade e do espaço seguro para o diferente.
Curiosidades e números de The Rocky Horror Picture Show
• Mais de 50 adaptações de Frankenstein já chegaram ao cinema; Rocky Horror é apontada como a mais singular.
• O filme custou cerca de US$ 1,4 milhão e arrecadou pouco na estreia, mas ultrapassou a marca de US$ 170 milhões ao longo das décadas.
• Estima-se que, desde 1976, nenhuma semana passou sem ao menos uma sessão no mundo.
• O musical nasceu nos palcos londrinos, em 1973, sob direção de Jim Sharman, que comandaria o filme dois anos depois.
Legado de incessante metamorfose
Cinquenta anos depois, The Rocky Horror Picture Show segue firme como fenômeno cultural, mesclando terror clássico, musicalidade glam e celebração da liberdade de expressão. Enquanto outras produções de Frankenstein revisitam o medo e a tragédia, Rocky Horror convida o público a cantar, dançar e, principalmente, participar.
Ao comprovar que um “fracasso” pode virar referência pop, o filme inspira artistas, fãs de novelas, doramas e cinéfilos curiosos, lembrando que nada é tão definitivo quanto parece. E, pelo visto, há tempo de sobra para dar aquele “Time Warp” novamente – hoje, amanhã e pelos próximos anos de exibição sem fim.
