Um apito que toca sem parar, malas prontas ao lado da porta e a incerteza se o chão vai ceder a qualquer momento. É nesse clima que moradores de Socorro, Barão de Cocais e Itabira convivem há anos.

O documentário “Rejeito”, do diretor Pedro de Filippi, mergulha nessa rotina marcada pela mineração e revela como o “terrorismo de barragens” virou estratégia para deslocar famílias inteiras em Minas Gerais.

O que mostra o documentário “Rejeito”

Rodado ao longo de quatro anos, o filme acompanha a vida de comunidades localizadas próximas a estruturas consideradas de alto risco. Em vez de focar exclusivamente em máquinas ou crateras, o longa dá destaque às histórias de quem perdeu terra, vizinhos e sossego por conta de alertas constantes de rompimento. Segundo o diretor, a ideia foi “escutar antes de filmar”.

As câmeras registram assembleias comunitárias, corredores de escolas, quintais desertos e até cemitérios que podem ficar submersos caso as barragens cedam. O resultado é um retrato humano, que evita romantizar a resistência, mas evidencia o impacto emocional de viver sob ameaça permanente.

Como funciona o chamado “terrorismo de barragens”

O termo, citado por moradores e lideranças locais, descreve um ciclo de pressões que combina sirenes, relatórios técnicos complexos e, em muitos casos, propostas de indenização consideradas baixas. Na prática, o medo se torna ferramenta para acelerar negociações de saída e reduzir opositores nos territórios onde as mineradoras pretendem ampliar operações.

Estratégias de pressão relatadas

Entre os relatos compilados no filme estão:

  • Simulados emergenciais frequentes, que acabam normalizando a ideia de rompimento iminente;
  • Contrapropostas de compra de imóveis abaixo do valor de mercado, apresentadas como “oportunidade única”;
  • Dificuldade de acesso a informações completas sobre estabilidade das estruturas;
  • Orientações para manter documentos e pertences à mão, como se o desastre fosse inevitável.

Feridas ainda abertas: Mariana e Brumadinho

“Rejeito” chega próximo aos dez anos do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (2015), e a pouco mais de cinco anos da tragédia em Brumadinho (2019). Embora os episódios tenham ganhado atenção internacional, o filme argumenta que o problema não terminou com as manchetes. As memórias de lama ainda pesam na hora de convencer moradores a sair antes que “algo maior” aconteça.

Para especialistas ouvidos na produção, a repetição desses desastres criou um precedente psicológico que facilita a negociação forçada de territórios. Cada sirene reativa lembranças coletivas de perdas humanas e ambientais recentes.

Resistência que não cabe em manchete

O longa também registra moradores que se recusam a deixar suas casas. Avós que guardam a chave do portão como símbolo de pertencimento, jovens que organizam assembleias semanais e líderes comunitárias que levantam pilhas de relatórios para questionar dados oficiais. Essa resistência se manifesta em gestos cotidianos, como cultivar hortas ou manter festividades locais, reforçando vínculos com o lugar.

Uma das vozes centrais do documentário é a de Maria Tereza Corujo, conhecida como Teca. Ela descreve como avisos de emergência podem dividir comunidades entre quem aceita indenização e quem prefere permanecer, criando tensões internas que, segundo ela, “ajudam a mineradora”.

O que diz a Vale

Em nota exibida na obra, a Vale afirma que trabalha para “reduzir impactos socioambientais, ampliar o diálogo com comunidades e fomentar projetos culturais locais”. A empresa também aponta investimentos em segurança de barragens e programas de desenvolvimento regional.

O filme, porém, questiona se é possível haver diálogo equilibrado quando quem negocia controla o território, o ritmo das obras e os prazos de emergência. “Rejeito” não traz respostas definitivas, mas coloca o dilema em primeiro plano.

Onde assistir ao filme

A produção estreou em salas de cinema de São Paulo e circula em exibições comunitárias em municípios afetados pela mineração. Segundo a distribuidora, novas sessões comerciais e lançamento em plataformas de streaming devem ser anunciados nos próximos meses. Informações atualizadas podem ser consultadas na página oficial do filme.

O 365 Filmes destaca que a agenda de exibições comunitárias costuma priorizar localidades diretamente impactadas por barragens, possibilitando que os próprios moradores debatam o conteúdo após a sessão.

Por que o tema ganha força agora

A discussão sobre transição energética e responsabilidade corporativa avança no País, mas o documentário lembra que, longe dos fóruns internacionais, ainda existe gente fazendo mala por precaução. A produção reforça que os efeitos de um desastre não se encerram quando as câmeras saem do local: eles se estendem por gerações, influenciando desde o preço de uma casa até a preservação de costumes.

Ao registrar o cotidiano de quem vive entre sirenes e promessas, “Rejeito” acaba lançando uma pergunta ao espectador: quantas vezes é preciso ouvir um alarme para desistir da própria história?

Sou formada em Marketing Digital e criadora de conteúdo para web, com especialização no nicho de entretenimento. Trabalho desde 2021 combinando estratégias de marketing com a criação de conteúdo criativo. Minha fluência em inglês me permite acompanhar e desenvolver materiais baseados em tendências globais do setor.

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