Uma cidade cinzenta, coberta por névoa constante, recebe o espectador em Pequenas Coisas Como Estas, novo filme de Tim Mielants que adapta a premiada obra de Claire Keegan. A produção, lançada em 2024, acompanha Bill Furlong, comerciante de carvão vivido por Cillian Murphy, num confronto inesperado com o passado sombrio das Lavanderias de Madalena.
Com apenas 1h38 de duração, o roteiro investe na sutileza para revelar como esses conventos irlandeses operaram por décadas em regime de abuso e exploração. A estratégia, apesar de cuidadosa, também limita a profundidade das denúncias mostradas em tela.
Quem é Bill Furlong e por que sua rotina importa
Bill Furlong leva uma vida simples ao lado da esposa e das cinco filhas em uma pequena cidade irlandesa. O personagem surge sempre contido, quase retraído, reforçando a impressão de alguém acostumado a evitar conflitos. Esse traço fica claro em gestos diários, como o hábito de lavar as mãos ao chegar em casa, recurso que a direção usa para simbolizar sua tentativa de manter distância da “sujeira” do mundo exterior.
Esse retrato intimista ocupa boa parte do primeiro ato. O ritmo pausado faz o público perceber o peso da rotina e entende por que Bill prefere não questionar as instituições locais, mesmo quando suspeita de algo errado. A fotografia em tons acinzentados ajuda a construir o clima opressivo que parece dominar a cidade inteira.
O choque ao entrar no convento
A história muda de tom quando, numa entrega de carvão ao convento administrado pelas Irmãs de Madalena, Bill encontra uma jovem em condições degradantes. A garota aparece presa em um quarto e apresenta sinais claros de maus-tratos. A imagem rompe a passividade do protagonista e o faz encarar um dilema moral: denunciar o que viu ou fingir que nada aconteceu.
Esse momento ganha ainda mais peso quando descobrimos que a mãe de Bill também sofreu no passado em uma dessas instituições religiosas. O passado familiar, revelado por flashbacks, coloca o personagem diante de sua própria história e amplia o conflito interno: continuar protegido pela omissão ou enfrentar um sistema que nunca foi questionado na região.
Emily Watson como símbolo de poder
Mesmo com participação breve, Emily Watson dá vida à madre superiora do convento, figura que representa a estrutura de controle mantida pelas Lavanderias de Madalena. Em cena marcante, a religiosa impõe autoridade sobre Bill sem elevar a voz, deixando claro como o silêncio coletivo sustentou os abusos durante tanto tempo.
A interação entre os dois atores concentra boa parte da tensão narrativa. Cillian Murphy, dobrado fisicamente diante da madre, traduz em gestos contidos toda a culpa e impotência que cercam seu passado. O contraste entre os personagens sublinha a força das convenções sociais que inibem qualquer tentativa de mudança.
Técnica irrepreensível, mas abordagem contida
Pequenas Coisas Como Estas impressiona pela direção de arte: ruas molhadas, fachadas envelhecidas e interiores frios reforçam o estado de paralisia moral da comunidade. A trilha sonora aparece apenas em pontos estratégicos, mantendo o foco nos silêncios incômodos que permeiam cada escolha de Bill.
Apesar do cuidado estético, a decisão de contar tudo apenas a partir do olhar do protagonista reduz o impacto do tema central. O filme evita cenas explícitas de abuso para manter a lógica da sutileza, mas acaba mostrando pouco sobre o que ocorria nos bastidores das Lavanderias de Madalena. Ao subir dos créditos, dados estatísticos sobre as vítimas surgem em letreiro, ensinando ao público a dimensão real da tragédia que o longa só tangencia.
Imagem: Imagem: Divulgação
Consequências de focar no despertar individual
O foco no arco pessoal de Bill garante uma narrativa coesa, porém estreita. Os flashbacks da infância, embora eficazes para conectar passado e presente, preenchem lacunas que poderiam ser ocupadas por vozes das próprias vítimas. A escolha narrativa gera um contraste visível entre o potencial dramático do assunto e o que, de fato, chega à tela.
Elenco, duração e detalhes de produção
Além de Cillian Murphy e Emily Watson, o elenco traz Eileen Walsh como a esposa de Bill, complementando o retrato familiar do protagonista. O roteiro, assinado por Enda Walsh, adapta fielmente o breve romance de Claire Keegan, mantendo diálogos enxutos e cenas que valorizam a expressividade silenciosa dos atores.
Com 1h38 de duração, o longa se mantém conciso, algo que pode agradar espectadores que buscam uma experiência intensa sem excessos. A opção por filmar em locações reais na Irlanda adiciona autenticidade ao design de produção, elemento que o Resumo de Novelas destaca como essencial para a imersão do público.
Por que o filme merece atenção
Mesmo sem explorar a fundo as atrocidades cometidas, Pequenas Coisas Como Estas chama atenção pela maneira como expõe a conivência social que sustentou as Lavanderias de Madalena. O longa provoca o espectador a refletir sobre o silêncio coletivo diante de injustiças históricas, usando a jornada de um homem comum como espelho.
Para quem acompanha a carreira de Cillian Murphy, a produção oferece mais um desempenho sólido do ator irlandês, agora em papel contido que se afasta da intensidade vista em Oppenheimer. Já fãs de dramas históricos encontram um recorte sensível sobre um período obscuro que ainda repercute na Irlanda contemporânea.
Vale assistir?
Pequenas Coisas Como Estas não é um filme-denúncia tradicional, mas entrega atuações marcantes, direção precisa e uma atmosfera sombria que ressoa após os créditos. A abordagem contida pode soar limitada a alguns, porém fornece um olhar emocionalmente honesto sobre culpa, memória e coragem.
Disponível nos cinemas em 2024, o drama convida o público a descobrir, junto com Bill Furlong, as pequenas escolhas capazes de expor grandes injustiças.
