O novo longa documental de Petra Costa, previsto para 2025 na Netflix, volta o olhar para a difícil fronteira entre religião e Estado no Brasil. Ao percorrer décadas de imagens e bastidores políticos, Apocalipse nos Trópicos costura uma narrativa sobre como o discurso evangélico se entrelaçou à ascensão da direita.

A produção coleciona registros raros, acesso a líderes de peso — entre eles o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o pastor Silas Malafaia — e muitas referências bíblicas. Ainda assim, opta por observar sem questionar frontalmente os personagens que dominam a cena.

Retrato amplo de fé e poder

Com pouco mais de duas horas, Apocalipse nos Trópicos adota uma montagem ágil para colocar lado a lado pregações do americano Billy Graham nos anos 1960 e a retórica de guerra espiritual da atual bancada evangélica. Essa costura cria um painel histórico que mostra como o discurso apocalíptico ganhou corpo ao longo do tempo.

Nesse mosaico, Petra Costa se posiciona como observadora. Diferente de Democracia em Vertigem, em que narrava em primeira pessoa, a diretora prefere aqui uma abordagem quase antropológica: registra, cataloga e deixa que as imagens falem. O resultado é um amplo dossiê sobre a instrumentalização política da fé, mas sem provocar abertamente seus entrevistados.

Silas Malafaia domina a narrativa

O pastor Silas Malafaia surge como personagem central. Sua presença carismática permeia muitos trechos, desde sermões inflamados até momentos mais íntimos, como quando dirige um carro de luxo e discute com um motociclista justificando suas reações “em nome de Jesus”. A sequência resume as contradições do discurso que anuncia um apocalipse iminente e, ao mesmo tempo, defende prosperidade material.

Mesmo diante dessas tensões, o filme não busca contraditar Malafaia nem confrontar suas falas. A decisão de apenas acompanhar o pastor reflete a linha geral do projeto: observar, mas não interferir. Para parte do público, essa escolha pode soar como omissão diante de temas que pedem respostas mais enfáticas.

Lula em posição inusitada

Um dos cartazes de divulgação exibe Lula com os olhos fechados em oração ao lado de líderes evangélicos, imagem que sintetiza a fluidez entre religião e política. No documentário, o presidente aparece em bastidores de campanha e em conversas reservadas, revelando como diferentes espectros políticos buscam o apoio de fiéis.

A presença do petista, assim como de parlamentares conservadores, reforça a ideia de simbiose entre Igreja e Estado. Entretanto, o longa não investiga a fundo como cada lado se beneficia dessa relação — algo que poderia oferecer camadas extras de entendimento para o espectador.

Montagem rica, profundidade limitada

A riqueza de material impressiona. Sequências curtas mesclam cultos lotados, sessões do Congresso e relatos de fiéis. Essa diversidade ajuda a prender a atenção e torna a experiência dinâmica, fator essencial para o público do Google Discover e dos leitores do Resumo de Novelas.

Por outro lado, a amplitude cobra seu preço. Temas como teologia da prosperidade, influência em comunidades carentes e uso de profecias para mobilização política são mencionados rapidamente e logo substituídos por novos assuntos. A falta de aprofundamento deixa perguntas no ar e dificulta que o longa provoque reflexões mais duradouras.

Ausência de confronto limita impacto

Ao final, Apocalipse nos Trópicos não entrega uma conclusão sobre o papel do discurso evangélico na ascensão da extrema direita. O filme registra o apocalipse anunciado, mas não discute se há caminhos para evitá-lo ou mesmo para debatê-lo de forma pública.

Essa postura pode agradar quem prefere apenas observar o fenômeno, porém tende a frustrar quem espera um documentário mais incisivo. Sem perguntas duras, o longa acaba funcionando como arquivo histórico — valioso, porém pouco desafiador.

Estreia marcada para 2025

Apocalipse nos Trópicos tem estreia mundial na Netflix confirmada para o primeiro semestre de 2025. A data exata ainda não foi divulgada pela plataforma. Até lá, a curiosidade sobre o conteúdo e os bastidores deve ganhar força, sobretudo entre espectadores interessados em política, religião e cultura pop.

Seja qual for a recepção, o filme já levanta um ponto incontornável: a fé continua sendo peça-chave no tabuleiro político brasileiro. Resta saber se futuras produções se arriscarão a ir além da observação e a encarar o conflito de frente.

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